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domingo, 27 de março de 2011

Sabores e memória

Toda vez que alguém pronuncia a palavra bacalhau sou imediatamente teletransportada para uma pequena casa portuguesa na histórica Diamantina (MG). Sinto a maciez do bacalhau, o sabor do azeite e todas as sensações que esse prato me trouxe naquela Sexta-feira da Paixão, que ficou guardada na memória. Lembro de toda a explanação acerca do prato que o chef lusitano fazia questão de fazer a cada garfada, interrompendo aquele momento que dispensava explicações.

Meu sábado também tem gosto e cheiro. Gosto de macarronada e lombo. Cheiro daquele molho de tomate que só a vó Nazareth sabia fazer. Gosto de sábado, de família reunida. Cheiro de saudade...

Ao relembrar esses momentos, é impossível não falar de Pedro Nava, médico reumatologista, memorialista e meu conterrâneo, a quem dediquei minhas madrugadas no final de 2003 para finalizar um projeto de conclusão de curso (Pedro Nava – Memória Digital) na Faculdade de Comunicação da UFJF. Em Baú de Ossos (1972), mostrou como a lembrança de alguns sabores tinha o poder de acionar sua memória involuntária. Tal como o também memorialista Proust – uma das principais influências do reumatologista – e suas famosas madeleines, Nava descreveu as sensações ao saborear a batida de sua avó paterna, Dona Nanoca.

“Alquimia fabulosa e bromatologia sem par da copa e da cozinha de Dona Nanoca. Laboratório de onde saíam seus refrigerantes: cajuadas opalinas e adstringentes e seu leve aluá – não o de abacaxi, como em Minas, mas o da farinha de arroz ou de fubá fino, adoçado ao ponto e que, fermentado nos potes de barro, rebentava, na boca, em finas bolhas de quase vinho. Sua cozinha de sal com os sabores de Portugal, da Espanha, da França, da Itália, do Mundo e mais o particular do Ceará, com os peixes no coco, cuminho e pimenta; com a carne que ela curtia ao sol e que, velha de dias e semanas, sabia a carne viva e macia, servida com o cuscuz de fubá ou com o de arroz, com o pirão de farinha de aipim ou com a dita em farofa embolada na hora, com água fervendo e sal grosso. Suas sobremesas: beijus birorós de macaxeira e beijus sarapós de tapioca; banana seca da cor do ouro e com gosto de sol concentrado; caju seco, caju em calda, caju em pasta com fiapos da polpa e com as castanhas torradas; as jenipapadas a frio; as batidas. As divinas batidas…
(...)
Se a batida do Ceará é uma rapadura diferente, a batida de minha avó Nanoca é para mim coisa à parte e funciona no meu sistema de paladar e evocação, talqualmente a madeleine de tante Leonie. Cheiro de mato, ar de chuva, ranger de porta, farfalhar de galhos ao vento noturno, chiar de resina na lenha dos fogões, gosto d’água de moringa nova – todos têm sua madeleine.” (Pedro Nava, Baú de Ossos, 1972).

E para você? Qual sua batida, sua madeleine